PIS e COFINS: Três enfoques hermenêuticos para compreensão de
conceito
A determinação dos valores suscetíveis de gerar créditos de
PIS/PASEP e COFINS está envolta em sérias controvérsias desde o
advento da Lei nº 10.637/02, que introduziu o regime não cumulativo
de tributação para as contribuições incidentes sobre a receita.
Neste pequeno estudo pretendo demonstrar que - até o momento - a
matéria tem sido analisada por pelo menos três enfoques
hermenêuticos aos quais faço referência no meu recente livro
"Créditos de PIS e COFINS sobre Insumos", editado pela Prognose
Editora, de São Paulo. O primeiro enfoque é o da análise
da matéria à luz das normas constitucionais. Esse modelo
hermenêutico é problemático na medida em que se constata que a
Constituição Federal não estabeleceu as balizas mínimas acerca do
regime não cumulativo para as contribuições sociais incidentes sobre
as receitas: assim, em razão dessa omissão, não há - no texto magno
- um modelo que deva ser respeitado pelo legislador tanto que esse
autor desconhece a existência de ações diretas de
inconstitucionalidade acerca do tema que tenham sido ajuizadas
perante a Suprema Corte. De qualquer modo, se imaginarmos que a
Constituição autoriza a edição de lei que institua contribuição
sobre a receita, parece claro que o texto magno indica - pelo menos
- que o modelo de não cumulatividade deve guardar certa congruência
com o fato gerador possível das contribuições, que é a obtenção de
receita. Por essa perspectiva, o texto constitucional estaria a
indicar que deveriam gerar direito ao crédito os insumos necessários
e imprescindíveis para obtenção da receita tributável, o que
levaria, em certas circunstâncias, a uma igualdade com a base de
cálculo da CSLL. Todavia, a adoção desse enfoque hermenêutico, na
prática, está inviabilizada em face da eficácia do princípio segundo
o qual o Poder Judiciário não pode agir como legislador positivo
para alargar o campo de aplicação de uma lei em certas
circunstâncias. O segundo enfoque hermenêutico é o que
denomino "regulamentar" e que pode ser encontrado nas incontáveis
Soluções de Consulta que são diariamente publicadas. As autoridades
fiscais encarregadas de responder às indagações dos contribuintes
estão enredadas por normas regulamentares cuja inspiração filosófica
é a legislação do IPI: de facto, o modelo legislativo regulamentar
do IPI foi praticamente enxertado na regulamentação das leis que
tratam do PIS e da COFINS. A título de exemplo, vejamos o enunciado
do artigo 5º da Instrução Normativa nº 247/02, que diz textualmente
que somente são considerados como insumos as matérias primas, os
produtos intermediários, o material de embalagem e quaisquer outros
bens que sofram alterações, tais como o desgaste, o dano ou a perda
de propriedades físicas ou químicas, em função da ação diretamente
exercida sobre o produto em fabricação, desde que não estejam
incluídas no ativo imobilizado. Ora, esse é um enunciado formado
pela conjugação dos termos do Parecer Normativo CST nº 65/79 e pelo
artigo 164 do RIPI, aprovado pelo Decreto nº 4.544/02. O enxerto é
altamente problemático porque a matéria tributável pelas
contribuições devidas ao PIS/PASEP e COFINS não guardam estrita
pertinência com o fato gerador do IPI e, ademais, as leis
pertinentes não têm a mesma redação. O terceiro enfoque
hermenêutico é que denomino "legal" porque tem ponto de partida o
texto da lei. Parece-me (e este é o fio condutor da tese que adoto
no meu livro acima citado) que ao restringir o direito de crédito
aos insumos que se integrem fisicamente ao produto ou que percam as
propriedades físicas e químicas em contato com esse produto, as
normas editadas pela Receita Federal do Brasil vulneram a Lei, assim
como todas as Soluções de Consulta que se baseiam em tais normas
regulamentares. A Lei estabelece um critério de certo modo objetivo
para qualificar os insumos suscetíveis de gerar crédito: esse
critério está ancorado na significação corrente da palavra
"utilizados", de modo que o direito ao crédito - de acordo com o
texto legal - abrange todo e qualquer insumo "utilizado" no processo
de produção, fabricação ou prestação de serviços. Ora, o vocábulo
"utilizado" é ordinariamente adotado para fazer referência a algo
que foi usado, empregado, aplicado, gasto, adotado, tornado útil,
proveitoso, que teve valia ou que serviu para alguma finalidade.
Portanto, o direito de crédito, no enfoque legal, deriva de todo e
qualquer insumo que tenha sido utilizado no processo de fabricação,
produção e prestação de serviços: afinal, a Lei "fala" em utilização
do insumo e não de sua integração ao produto final. Assim, em tom de
chalaça eu digo: o nome do jogo é "utilizado".
* Edmar Oliveira Andrade Filho - Advogado e Parecerista em São
Paulo. Contador e autor do livro "Créditos de PIS e COFINS sobre
Insumos", 2010, Editora Prognose.
Fonte: Contabilidade na TV