Advogados têm contas bloqueadas para garantir dívidas dos
clientesUma dívida trabalhista de R$ 15 mil não honrada,
uma ordem judicial e a penhora on-line de duas contas correntes
no valor de R$ 45 mil para o pagamento do débito. A história,
comum entre empresas, seria corriqueira não fosse o fato de as
contas bloqueadas pertencerem ao advogado do devedor - e não ao
próprio. Neste caso, o "mal-entendido" ocorreu com o advogado
Eduardo Salusse, do escritório Neumann, Salusse, Marangoni
Advogados. Não somente suas contas foram bloqueadas como também
a conta conjunta que possuía com sua mãe. Em outra situação, um
novo "mal-entendido" pegou o mesmo advogado de surpresa: ele foi
chamado a responder judicialmente por um débito de R$ 300 mil
com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), fruto de uma
dívida de um ex-cliente. A conta bancária do advogado não chegou
a ser penhorada, mas o escritório teve que correr contra o
tempo: Salusse só foi descobrir a cobrança ao tentar retirar uma
certidão na Justiça Federal para que a banca participasse de uma
licitação do governo federal para a contratação dos serviços
jurídicos. Para sua sorte, ao relatar o fato à procuradoria do
INSS, seu nome foi excluído do processo, sem a necessidade de um
recurso à Justiça.
O número de advogados chamados a responder por dívidas de
seus clientes cresce no Brasil e preocupam profissionais e
escritórios de advocacia, especialmente neste momento, em que
vários novas empresas, em especial estrangeiras, têm procurado
as bancas para se instalar no país. O problema tem ocorrido em
razão do aumento de decisões judiciais - da Justiça do Trabalho,
com maior freqüência, mas também das varas de Fazenda pública -
que permitem a desconsideração da personalidade jurídica das
empresas. A medida autoriza o bloqueio de bens de sócios e
ex-sócios - em especial contas bancárias - para a satisfação das
dívidas trabalhistas ou fiscais da empresa.
No caso dos advogados, o que ocorre é que eles atuam como
procuradores de companhias estrangeiras interessadas em abrir
empresas no Brasil. Como este procedimento exige um procurador,
pelas regras do Departamento Nacional de Registro do Comércio (DNRC)
e do Código Civil, e um representante residente no Brasil,
perante a Receita Federal, o advogado, em geral, cumpre este
papel - e por isto tem seu nome no registro da empresa na junta
comercial e no pedido de CNPJ à Receita Federal. Ainda que os
advogados não tenham mais qualquer vínculo com a empresa e dela
não sejam sócios, têm sido citados pela Justiça para responder
por dívidas dos ex-clientes, já que seus nomes estão no registro
da empresa na junta comercial e na Receita. No caso da junta, o
nome do procurador aparece sem identificação ao lado dos nomes
dos sócios. Segundo Mário Delgado, do Centro de Estudos das
Sociedades de Advogados (Cesa), hoje todo grande escritório de
advocacia tem pelo menos um advogado que teve a conta bancária
bloqueada para o pagamento de alguma dívida de um cliente do
qual foi procurador. No Demarest & Almeida Advogados, um dos
maiores escritórios do país, cinco advogados já tiveram a conta
bloqueada por dívidas trabalhistas de empresas das quais foram
procuradores. "São inúmeros escritórios passando pelo problema,
com um número até maior que o nosso", afirma o sócio do Demarest
e fundador do Cesa, Orlando Di Giacomo Filho. Ele conta o caso
de um amigo que responde por 48 execuções de de um único
ex-cliente. Além de todos os transtornos, Giacomo Filho diz que
quem passa por esta situação sofre um abalo social e também na
imagem profissional. "O advogado terá dificuldade para obter
crédito e até mesmo para negociar um imóvel", diz.
Segundo Mário Delgado, um agravante é que a solução deste
problema muitas vezes é demorada. Situação vivida por um dos
sócios do Neumann, Salusse, Marangoni Advogados, que possui uma
conta bloqueada no valor de R$ 40 mil há mais de um ano. Segundo
Eduardo Salusse, seu sócio, cobrado por uma dívida trabalhista
de um cliente, já pediu à Justiça a exclusão de seu nome do
processo, pedido negado na primeira instância trabalhista. Ele
recorreu ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo,
mas o pedido ainda aguarda análise.
O advogado Luiz Roberto Novaes, diretor do Cesa, também foi
surpreendido em uma ação fiscal. Ele advoga para uma empresa que
era acionista de uma outra companhia que faliu - e foi incluído
no pólo passivo da ação de cobrança fiscal. Um dos grandes
transtornos, segundo ele, foi a necessidade de contratação de
uma carta-fiança bancária para garantir sua defesa na execução
fiscal. O recurso ainda aguarda julgamento. "Para o profissional
este é um problema extra, pois ele assume o risco do negócio sem
estar ligado à gestão da empresa", afirma Novaes
Em razão do problema, muitos escritórios passaram a ser bem
mais restritivos em relação aos clientes e também ao tipo de
trabalho prestado a eles. O sócio da área tributária do Pinheiro
Neto Advogados, Sérgio Farina Filho, afirma que a banca é
cautelosa na aceitação de serviços como a abertura de empresas,
por exemplo. Segundo ele, o escritório pede desde logo que a
empresa estrangeira credencie gerentes no Brasil para assumir a
responsabilidade pelo CNPJ perante a Receita Federal. O advogado
afirma que Receita não aceita a renúncia de poderes
unilateralmente: exige a substituição por um novo responsável. O
que, segundo Farina Filho, costuma ser complicado, pois muitas
vezes a empresa não tem mais representantes no Brasil ou pode
ter rompido o contrato com o escritório de forma não amistosa e,
desta forma, não ter interesse em cooperar com o advogado. Outra
medida preventiva, adotada por alguns escritórios, é a exigência
de que os clientes estrangeiros contratem um seguro de
responsabilidade civil que abranja os procuradores da companhia.
Para o advogado Solano de Camargo, do escritório Dantas, Lee,
Brock & Camargo Advogados, a prevenção, nestas situações, é
difícil, pois há inúmeros casos passados. "Há advogado que foi
procurador de uma empresa há dez anos, trabalhou por um ano e
não teve mais contato com ela, mas que pode vir a ser cobrado de
uma dívida do dia para a noite", afirma.