NOVO CÓDIGO FORTALECE O JUIZ DE PRIMEIRA INSTÂNCIA
Elaborado para simplificar procedimentos processuais e reduzir
as possibilidades de recursos, o projeto do novo Código de
Processo Civil, aprovado em dezembro pelo Senado, acabou
fortalecendo a primeira instância. Os juízes ganharam "superpoderes",
segundo especialistas. Entre eles, a possibilidade de o magistrado
executar uma sentença antes mesmo da análise de um recurso por um
tribunal de segunda instância. "Vamos ter um imperador em cada
vara", critica o advogado e professor de teoria geral do processo
e direito processual civil da Universidade de São Paulo (USP),
Antônio Cláudio da Costa Machado, que redigiu manifesto da
seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) contra o
projeto, que agora será analisado pela Câmara dos Deputados.
O novo código foi elaborado por uma comissão de juristas,
coordenada pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ),
Luiz Fux, escolhido esta semana pela presidente Dilma Rousseff
para ocupar a vaga aberta no Supremo Tribunal Federal (STF) com a
aposentadoria do ministro Eros Grau. As mudanças, segundo ele,
devem reduzir em pelo menos 50% o tempo de duração de um processo.
No caso de contenciosos de massa, o percentual seria ainda maior,
de 70%. Para melhorar a produtividade, está prevista a criação de
um mecanismo batizado de "incidente de resolução de demandas
repetitivas", considerado até pelos opositores mais ferrenhos a
maior inovação trazida pelo projeto.
Requerido o incidente, um tribunal superior ou de segunda
instância suspenderia a tramitação de ações idênticas até definir
o tema em discussão. No caso de decisão de tribunal superior, o
entendimento adotado deverá ser obrigatoriamente seguido pelas
instâncias inferiores. "Nossas decisões devem ser respeitadas",
diz o ministro Luiz Fux, que acompanhou a aprovação do texto pelo
Senado. "Por que o juiz, em nome da sua suposta independência
jurídica, pode proferir uma decisão contrária a de um tribunal
superior?"
Para acelerar a tramitação do processo, também está prevista a
realização de uma audiência de conciliação antes do início da
análise do pedido pelo juiz de primeira instância. Medida que, mal
aplicada, segundo o professor Costa Machado, não resolverá o
problema de lentidão da Justiça. "Hoje, em São Paulo, demora-se
até um ano e meio para marcar uma audiência de conciliação nos
juizados especiais", afirma. Se não houver consenso, o magistrado
passará a julgar o caso, mas decisões interlocutórias - aquelas
tomadas até a sentença - raramente poderão ser questionadas por
meio de agravos de instrumento. "Decisões sobre provas não poderão
mais ser agravadas. Só discutidas na apelação. Deram um poder
enorme ao juiz", diz o professor.
Para o secretário-geral do Conselho Federal da OAB, Marcus
Vinícius Furtado Coelho, que participou da comissão de juristas
que elaborou o novo código, a alteração vai, na prática, facilitar
a vida do advogado, "que deixará de ser obrigado a agravar a cada
respiro do juiz". Segundo ele, o recurso poderá ser usado em
poucos casos, como o questionamento de uma liminar ou tutela
antecipada. "Os tribunais julgam só agravos. Não estão analisando
as apelações", afirma Coelho.
As decisões provisórias ganharam novos nomes - tutela de
urgência e tutela de evidência - e poderão ser mais facilmente
concedidas, de acordo com o professor Costa Machado. "Uma tutela
antecipada poderá ser dada sem a comprovação do periculum in mora
(perigo da demora)", afirma ele, criticando também o fato das
novas regras processuais facilitarem os arrestos.
Nas execuções provisórias, o juiz poderá dispensar a caução, se
a parte comprovar que não tem condições de apresentá-la. "É um
ponto bastante polêmico que, certamente, será motivo de muita
discussão na Câmara dos Deputados", diz o dirigente da OAB.
Proferida a sentença, de acordo com Coelho, caberá ao
desembargador decidir se a apelação terá efeito suspensivo,
adiando a execução da sentença. "O projeto acaba com o efeito
suspensivo automático. Por que uma decisão de primeira instância
não pode ser imediatamente cumprida?", questiona o
secretário-geral, lembrando que possíveis imperfeições no texto
ainda podem ser corrigidas na Câmara dos Deputados.
O texto aprovado pelo Senado tem 1.008 artigos - 212 a menos
que o atual, de 1973 -, distribuídos em cinco livros. Os senadores
mudaram alguns pontos do texto original entregue pela comissão de
juristas. Entre eles, o poder dado aos juízes de primeira
instância de alterar ou adaptar o ritual do processo, mas nada foi
modificado em relação ao poder judicial para aumentar prazos e
inverter a ordem de produção de provas.
Projeto que altera ação penal segue rumo oposto
Os projetos de reforma dos códigos de processo civil e penal
foram elaborados quase que simultaneamente, têm tramitações
idênticas - foram aprovados no Senado e agora aguardam análise na
Câmara dos Deputados - e partiram da iniciativa do senador José
Sarney (PMDB-AP), presidente da casa legislativa, que nomeou duas
comissões de juristas para desenvolvê-los. As semelhanças entre as
duas propostas, no entanto, terminam aí. O projeto do novo Código
de Processo Civil segue um rumo exatamente oposto ao do Código de
Processo Penal: enquanto o primeiro fortalece a instância inicial
da Justiça ao reduzir o número de recursos, para garantir maior
rapidez aos processos, o segundo enfraquece o juiz de primeiro
grau ao transferir parte de suas tarefas a um outro magistrado,
burocratizando a tramitação das ações judiciais.
O projeto de Código de Processo Penal cria a figura do juiz de
garantias, destinado a julgar os pedidos de medidas cautelares
feitos pelo Ministério Público em ações criminais - como ações de
busca e apreensão, escutas telefônicas, quebras de sigilo fiscal e
bancário e prisões preventivas e temporárias. Esse magistrado, no
entanto, não será o mesmo que julgará o processo, que continua a
ser o atual juiz de primeira instância. A ele caberá a chamada
fase de instrução das ações criminais - ou seja, toda a produção
de provas feita pela polícia e pelo Ministério Público. Ao juiz da
causa caberá apenas seu julgamento: ele deixa de ter poderes para
determinar o aprofundamento das provas.
Crítico do projeto, o desembargador Fausto De Sanctis, do
Tribunal Regional Federal (TRF) da 3ª Região, afirma que, com a
criação do juiz de garantias, haverá "perda de conhecimento, já
que o juiz processante só vai ter ciência de todo o teor de uma
investigação muito depois de ela ter ocorrido". De Sanctis diz que
a preocupação do projeto de reforma do processo penal tem sido a
desvalorização da primeira instância da Justiça. "Sem dúvida
alguma isso vai comprometer o já moroso processo penal", diz.
A opinião do juiz soma-se às críticas que o projeto já recebeu
de outros integrantes do Judiciário e do Executivo, Ministério
Público e polícias. E, ao contrário do que ocorre com o projeto de
reforma do processo civil, tem o apoio dos advogados, para quem as
mudanças dão às partes "paridade de armas", expressão usada em um
texto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) apresentado ao Senado
no início da tramitação da proposta.
FONTE: VALOR ECONÔMICO