Campos Selos foi o apelido que o ex-presidente Campos Sales recebeu
ao criar o imposto do selo. Para se contrapor à tirada popular, ele
saiu com esta: “Não posso obrigar ninguém a ser patriota, mas posso
obrigar a pagar imposto”.
Campos Sales presidiu o país de 1898 a 1902, ainda na infância da
República. Se comandasse o Brasil de hoje, não faltaria inspiração
aos galhofeiros para criar novos apelidos para ele.
O país cobra impostos com uma sofreguidão que não se vê em
praticamente nenhum outro aspecto da vida nacional. No ano passado,
a economia cresceu apenas 0,9%.
A geração de riqueza avançou pouco, mas o governo garantiu seu
quinhão: a coleta de impostos aos cofres federal, estaduais e
municipais cresceu 1,2% e alcançou 1,6 trilhão de reais. Pela
primeira vez, apenas os tributos federais superaram a marca de 1
trilhão de reais.
A carga tributária também ascendeu a um número inédito: 36,2% do
produto interno bruto. É equivalente à de nações ricas e com
serviços públicos de qualidade superiores, como Canadá, Reino Unido
e Nova Zelândia.
Note que a carga aumentou mesmo com as medidas de desonerações para
setores escolhidos que o governo adotou nos últimos dois anos. Só em
2012 a bondade somou 45 bilhões de reais como já se sabe, sem os
efeitos acalentados em Brasília. Se os contemporâneos de Sales
vivessem hoje, é possível que preferissem a obrigatoriedade do
patriotismo em troca de um pouco de sossego do Fisco.
Deputados e senadores estão discutindo as propostas do que tem sido
chamado de novo pacto federativo. Um dos pontos centrais é a
unificação das alíquotas de ICMS em todo o país. Seria uma
alternativa para fazer a tão protelada reforma tributária de maneira
fatiada, como se convencionou falar.
Como o ICMS é um imposto cobrado pelos estados, a unificação pode
pôr fim à famigerada “guerra fiscal” na qual os tiros são as ofertas
de redução de impostos para atrair empresas.
O governo federal, autor da proposta, defende que a unificação das
alíquotas em 4% não só acabaria com a guerra fiscal como
simplificaria o cálculo do imposto e daria segurança aos
investidores hoje eles podem ser penalizados quando incentivos
oferecidos por um estado são questionados na Justiça por outro
estado.
O ministro Guido Mantega, da Fazenda, tem feito um esforço pessoal
para emplacar a proposta, que enfrenta a resistência dos estados.
Mantega fez encontros com governadores e foi ao Senado explicar as
medidas. Na agenda do governo federal, o próximo passo é unificar as
alíquotas do PIS e da Cofins. Se a simplificação desses três
tributos vingar, será dado um passo largo para melhorar a vida dos
contribuintes.
Show do bilhão em multas
Enquanto o debate sobre uma reforma segue difícil, o Brasil
conserva o sistema tributário mais intrincado do mundo. De acordo
com o Banco Mundial, aqui são gastas, em média, 2 600 horas por ano
pelas empresas para tarefas como o preenchimento de guias e
formulários tempo que corresponde a dez vezes a média mundial.
Se cada empresa destacasse um funcionário para cuidar da tarefa, ele
gastaria quase quatro meses na prestação de contas. Isso se
labutasse sem nenhuma folga em todo o período e também sem dormir.
Passar pela maratona burocrática sem um único erro é um trabalho de
Hércules. Está nesse emaranhado e não na sonegação boa parte da
origem dos 116 bilhões de reais em multas, um volume recorde,
cobradas pela Receita Federal no ano passado.
Em janeiro, em um intervalo de poucos dias, Natura, Fibria, Santos
Brasil e MMX informaram que a Receita cobrava delas, entre impostos
atrasados e multas, a soma de 6 bilhões de reais.
Só a MMX, mineradora do grupo controlado pelo empresário Eike
Batista, recebeu uma conta de 3,7 bilhões de reais. O valor somaria
o imposto de renda e a contribuição social sobre o lucro líquido não
pagos em 2007.
Esta última pode ser incluída na lista de cobranças esdrúxulas que
mereciam uma explicação do Fisco. O valor do débito é quase cinco
vezes o lucro líquido divulgado pela empresa naquele ano, que foi de
766 milhões de reais.
A MMX tinha dois anos de operação, e a maior parte do balanço
tratava de custos, despesas e investimentos. As quatro empresas
faziam parte de uma leva de 317 que seriam autuadas na maior
operação de recuperação de impostos já feita pela Receita.
O Fisco esperava recolher 84 bilhões de reais. Vai saber quantas
outras dívidas não foram submetidas ao estranho parâmetro de
multiplicação aplicado ao débito da MMX.
Estamos tão habituados a episódios desse tipo que eles nos parecem
banais. Mas, para os investidores estrangeiros, que convivem com
sistemas tributários mais sensatos, eles são incompreensíveis.
No último congresso da International Fiscal Association (IFA),
realizado em Boston, em outubro do ano passado, a relação
conflituosa entre o Fisco e as empresas brasileiras monopolizou o
debate.
“Na principal conferência, com 1.300 pessoas na plateia, só se
perguntava por que o Brasil trata seus contribuintes de maneira tão
agressiva”, diz Raquel Preto, diretora do Instituto dos Advogados de
São Paulo e representante brasileira no congresso da IFA, criada há
75 anos. O Brasil cobra até 150% de multa sobre o valor do imposto
devido.
Reformar o modo como o Brasil cobra impostos é tão urgente quanto
improvável. “Um país só muda seu sistema tributário após uma guerra
ou uma ruptura institucional”, diz Everardo Maciel, ex-secretário da
Receita Federal no governo Fernando Henrique Cardoso.
“É preciso ter em mente que nunca haverá um sistema perfeito.” Há
iniciativas que podem nos inspirar. O Canadá tem, desde 1945, a
Canadian Tax Foundation, instituição apartidária da qual fazem parte
empresas, políticos e especialistas em contas públicas.
Qualquer mudança que se pense nos impostos passa antes por intenso
debate entre os membros da instituição. Só depois segue para o
Parlamento. Isso não quer dizer que o país esteja imune a
barbeiragens.
A província francófona de Quebec tem seu próprio imposto sobre valor
agregado para se diferenciar de províncias que falam inglês. Ou
seja, no mundo todo o sistema tributário é imperfeito. O inaceitável
é se conformar com as deficiências e não fazer nada para melhorar.
Fonte: Exame.com
Fonte: Valor Econômico