A fiscalização da Receita Federal perdeu poder e agilidade com o
fim da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
(CPMF), em dezembro de 2007, diz a secretária Lina Maria Vieira.
Ela admite, porém, que não há o menor clima político no
Congresso para se discutir esse assunto e garante que ele não
está mais na agenda do governo.
O controle que o tributo proporcionava, em tempo real,
abrangia todas as movimentações financeiras, mas, no início de
2008, foi substituído por normas que obrigam os bancos a
apresentarem declarações semestrais. As Instruções Normativas
(IN) 802 e 811 da Receita Federal determinam que as instituições
financeiras devem informar as movimentações que ultrapassam, no
semestre, R$ 5 mil, no caso de pessoas físicas, e R$ 10 mil para
as pessoas jurídicas.
O problema se agrava pelo fato de essas normas estarem sob
contestação judicial. O subsecretário de Fiscalização da
Receita, Henrique Jorge Freitas, lembra que na época da CPMF, o
processamento das informações era trimestral, mas o acesso era
em tempo real. Para a secretária, a CPMF permitiu desmontar
grandes esquemas de lavagem de dinheiro porque "nada escapava"
ao controle.
Trabalho feito pela Receita Federal identificou que, em 2002, 17
milhões de pessoas físicas que se declararam isentas - renda
brutal anual de até R$ 12 mil - fizeram transações de
aproximadamente R$ 212 bilhões. Nesse grupo, apenas 62 pessoas
movimentaram R$ 12 bilhões. A investigação também encontrou, em
2002, 11,7 milhões de pessoas físicas que nem sequer entregaram
declaração de renda, mas movimentaram cerca de R$ 200 bilhões.
Esse padrão de incompatibilidade das movimentações
financeiras, verificado em 2002, vem se repetindo todos os anos,
assegura a secretária. A diferença é que, com a CPMF, era
possível cruzar essas informações de imediato. Hoje, perdeu-se
velocidade.
Quando a Receita identifica irregularidades, tem até cinco
anos para lançar os respectivos créditos tributários, formados
pelo principal, multas e juros. Lançado o crédito, o
contribuinte é cobrado oficialmente. O enorme volume de
irregularidades que a CPMF revelou também contribuiu para que o
lançamento de créditos fosse crescente de 2002 a 2008. Este, que
em 2002 foi de R$ 1,11 bilhão, chegou a R$ 15,62 bilhões no ano
passado a partir de fiscalizações realizadas com dados de 3.374
pessoas físicas e 3.434 pessoas jurídicas, mesmo sem a CPMF.
Lançados os créditos, o fisco passa a cobrar de quem não pagou
devidamente o tributo.
Hoje é possível saber, segundo os dados oficiais, que 1.515
pessoas físicas e 922 pessoas jurídicas levaram ao lançamento,
em 2009, de créditos tributários de R$ 1,97 bilhão. Não é
possível detectar, no entanto, o exato ano em que estes ilícitos
foram cometidos.
Desde 2002, a CPMF teve alíquota de 0,38%, e apresentou
arrecadação crescente. De acordo com a Receita, em valores
atualizados, o tributo levou R$ 13,94 bilhões aos cofres
federais naquele ano. Nos anos seguintes, os valores foram
crescentes: R$ 14,98 bilhões (2003), R$ 18,04 bilhões (2004), R$
24,02 bilhões (2005), R$ 29,42 bilhões (2006) e R$ 37,46 bilhões
(2007).
Em abril, Lina participou da 43ª assembléia geral do Centro
Interamericano de Administrações Tributárias (Ciat) e apresentou
alguns dados da experiência brasileira com a CPMF. Pouco antes
desse encontro, os representantes dos países que integram o G-20
financeiro, em Londres, já tinham admitido que a crise econômica
mundial impôs a necessidade de regulação mais rigorosa, o que
deve restringir o sigilo bancário e elevar a repressão aos
paraísos fiscais e à lavagem de dinheiro.
Nesse cenário pós-crise, Lina expôs a CPMF numa abordagem que
chama de visão moderna da administração tributária. "A CPMF foi
um acerto no aspecto do controle." Na apresentação no Ciat, em
Santo Domingo, República Dominicana, ela listou cinco pontos
fortes desse tributo. A CPMF, para a Receita, é de difícil
evasão, tem alto potencial arrecadatório, não é declaratória,
tem baixo custo de administração e representa poderosa
ferramenta de investigação.
Ela conta que já abordou a falta que faz a CPMF com deputados
e senadores em encontros institucionais neste ano. "Não há
clima. Precisamos escolher o momento ideal para colocar em
discussão. Não está na agenda da Receita."
Recriar a CPMF é uma tarefa quase impossível no Congresso. No
Senado, onde o governo foi derrotado em dezembro de 2007, a
situação é pior que a da Câmara. Em junho do ano passado, os
deputados aprovaram, com o plenário dividido, um projeto de lei
complementar que recriava o tributo, dessa vez com o nome de
Contribuição Social para a Saúde (CSS). A alíquota seria de 0,1%
sobre todas as movimentações financeiras e a arrecadação estaria
vinculada à saúde.
Insatisfeita, a oposição prometeu levar o tema ao Supremo
Tribunal Federal (STF). Na avaliação de alguns senadores, o novo
tributo desrespeita a proibição constitucional da cumulatividade
de impostos. Também afirmam que a base de cálculo da CSS é a
mesma do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). No âmbito
político, o projeto de lei complementar aprovado na Câmara
enfrenta grande resistência no Senado porque, segundo alguns
parlamentares, o tema tem de ser tratado por meio de proposta de
emenda à Constituição.
Também estão sendo contestadas no STF as normas das IN 802 e
811 que criaram a Declaração de Informações sobre Movimentação
Financeira (Dimof) para bancos, cooperativas de crédito e
associações de poupança e empréstimo. Duas ações diretas de
inconstitucionalidade foram levadas ao Supremo pela Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) e pela Confederação Nacional das
Profissões Liberais (CNPL). Para a Receita, a Lei Complementar
nº 105, de 2001, autoriza a regulamentação que substituiu a
CPMF, mas é exatamente o artigo 5º dessa lei que está sendo
atacado.
De acordo com o Supremo, o andamento da ação proposta pela
CNPL está mais adiantado porque já tem parecer contrário da
Procuradoria Geral da República (PGR). As duas ações ainda não
puderam receber o voto do relator, ministro Menezes Direito, e,
portanto, não há previsão de julgamento.