Justiça penhora restituição do IR para quitar débito de contribuinte
A criatividade dos advogados e da Justiça brasileira tem
restringido cada vez mais as possibilidades dos maus pagadores
escaparem de seus débitos. Além da já conhecida penhora on-line de
conta corrente, do bloqueio de automóveis e imóveis, o Judiciário
começa a adotar a penhora da restituição do Imposto de Renda (IR). A
peculiaridade nesse caso é que não há o risco de os valores serem
desviados antes da decretação da penhora. O juiz envia à Receita
Federal um ofício determinando a indisponibilidade do valor previsto
para ser restituído. E esse montante é usado para quitar a dívida.
A alternativa já foi utilizada em pelo menos dois processos que
transitaram em julgado quando não cabe mais recurso. E pode se
tornar uma tendência, segundo juízes e advogados.
Essa modalidade de penhora já foi admitida tanto pelo Superior
Tribunal de Justiça (STJ) numa ação em que um banco cobrava uma
dívida de um cliente, quanto em uma execução trabalhista contra duas
empresárias. Nesse caso, a alternativa foi aplicada pelo Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) de Minas Gerais. Os dois processos foram
finalizados recentemente, entre o início deste mês e no mês passado.
A novidade, porém, ainda encontra resistência em alguns tribunais,
como o TRT da 2ª Região, com sede em São Paulo. Na corte há pelo
menos duas decisões contrárias ao uso da penhora para as
restituições do Imposto de Renda.
A corrente jurídica que não admite a penhora nesses casos entende
que a restituição, originada do imposto recolhido a mais, é
decorrente do salário recebido pelo contribuinte. E defende que o
inciso IV, do artigo 649, do Código de Processo Civil (CPC)
estabelece que verbas com natureza salarial são impenhoráveis.
Os desembargadores da Terceira Turma do TRT de Minas, no entanto,
entenderam que a execução deve ser realizada em consideração ao
interesse do credor. E que caberia ao devedor demonstrar que a
restituição do imposto de renda seria apenas proveniente das verbas
salariais, essas sendo impenhoráveis. O relator do processo na
corte, desembargador Bolívar Viégas Peixoto, também acrescentou que
não existe qualquer dispositivo legal que proíba a penhora de
créditos referentes ao Imposto de Renda.
Os ministros da Terceira Turma do STJ foram além. Eles entenderam
que não há impenhorabilidade absoluta, nem mesmo das restituições
que tenham como origem apenas o salário do contribuinte. Para o STJ,
a diferença entre o valor necessário para o contribuinte sobreviver
e o total das suas verbas salariais pode ser penhorada.
O precedente do STJ demonstra uma tendência em aceitar-se a penhora
do valor da restituição em todas as esferas da Justiça, avalia o
juiz do trabalho Rogério Neiva, que atua em Brasília. "Se a Justiça
comum, que tende a ser menos agressiva do que a Justiça do trabalho
com relação à utilização da penhora, aceitou o bloqueio desses
valores, acredito que isso pode começar a ser mais usado por toda a
Justiça, com a finalidade de dar mais eficácia à execução". Para o
magistrado, a tendência futura é que o bloqueio dos valores da
restituição sejam on-line, da mesma forma em que hoje é feito o
bloqueio de contas bancárias via Bacen-Jud e a restrição da venda de
automóveis - por meio do sistema Renajud.
Segundo Neiva, ainda há uma limitação na aplicação desse tipo de
penhora, ao menos na Justiça do Trabalho. Ele afirma que existem
julgados do Tribunal Superior do Trabalho (TST) e até uma orientação
jurisprudencial (OJ) a de número 153 que proíbem a penhora de verbas
de natureza salarial. Por esse motivo, como avalia Neiva, se ocorrer
a comprovação de que a restituição do imposto de renda seria apenas
proveniente do salário, não haveria, em tese, como determinar a
penhora dessa quantia.
Essa nova modalidade de penhora traz mais uma preocupação para os
sócios de empresas, de acordo com o advogado Marcel Cordeiro, do
escritório Neumann, Salusse, Marangoni Advogados. "Essas decisões
são muito criativas e apontam mais um caminho para localizar os
valores devidos", afirma. No entanto, ele faz a ressalva de que nem
todos os tribunais têm aceito essa nova possibilidade.
Já a advogada Juliana Bracks, do Latgé, Mathias, Bracks & Advogados
Associados, acredita que a Justiça trabalhista tem flexibilizado
cada vez mais o entendimento sobre a possibilidade de penhora. Nesse
sentido, o TRT de Minas tem sido o pioneiro, diz. O tribunal já
admitiu a penhora de conta bancária que recebe salário, mas também
outros créditos. Também já entendeu que o valor excedente a 40
salários mínimos em conta poupança pode ser penhorado - o Código de
Processo Civil limita a esse valor. E em alguns casos, o TST tem
confirmado essa flexibilização, segundo a advogada. Em um julgamento
recente, a corte aceitou a penhora de 50% dos vencimentos de um
sócio de um servidor público. Para o presidente da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciano
Athayde Chaves, as decisões sobre penhora da restituição de IR são
legítimas. "A princípio todo o credito do devedor pode ser objeto de
penhora", afirma.
Fonte: Valor Econômico