O novo Código Civil e as sociedades limitadas

A sociedade por quotas de responsabilidade limitada - Ltda. - teve origem no ordenamento jurídico alemão em 20 de abril de 1892.

O Brasil foi o quinto país a acolher este tipo de sociedade através do Decreto no 3.708, de 10 de janeiro de 1919, vigente por 83 anos.
Esta norma, por sua simplicidade (possui apenas 19 artigos), consagrou esse tipo societário. Por óbvio que as normas do Decreto no 3.708/19 não foram suficientes para regular toda a sorte de situações cada vez mais complexas que as sociedades modernas exigem. Essa necessidade, entretanto, foi sendo gradativamente suprida pela doutrina, jurisprudência e pela aplicação subsidiária da Lei das Sociedades Anônimas.

O desenvolvimento da doutrina e da jurisprudência sobre as Ltda's, por sua vez, deu-se à luz da vigência do Código Comercial Brasileiro, inserido no ordenamento jurídico nacional por meio da Lei no 556, promulgada por D. Pedro II em 25 de junho de 1850, e do Código Civil, trazido a lume pela Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916.

O modelo consolidado na legislação retro mencionada prevê a existência de dois tipos societários distintos: as sociedades comerciais e as sociedades civis, estas sujeitas a registro no cartório de pessoas jurídicas e aquelas sujeitas a registro na Junta Comercial dos Estados.

Pois bem. Com a edição do NCC (Novo Código Civil) pela Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002, dispondo de maneira inteiramente nova sobre a matéria, teremos de abandonar toda a construção até então existente e baseada no regramento anterior.

O NCC que entrará em vigor em 11 de janeiro de 2003 prevê que as pessoas jurídicas deverão adaptar seus atos constitutivos no prazo de 1 ano a contar desta data. Qualquer alteração nos atos constitutivos das sociedades após a entrada em vigor no NCC, entretanto, implicará imediata sujeição às novas normas.
A singularidade do novo regime, entretanto, como veremos adiante, exigirá não a mera adaptação dos atos constitutivos, mas a completa rediscussão de seus termos.

Antes de adentrarmos nas alterações específicas pelas quais passarão as Ltda's, convém traçar um breve esboço do novo regime que entrará em vigor.
No novo regime, a distinção entre sociedades comerciais e sociedades civis será substituída pelo direito de empresa.

O direito de empresa abandona por completo a teoria dos atos de comércio e fundamenta-se na definição de empresário, qual seja: "Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços" (Art.966 NCC).

Nesse contexto, as sociedades serão empresárias ou simples. As sociedades empresárias serão aquelas que possuam os elementos de empresa, quais sejam: o profissionalismo, a organização, o exercício de atividade econômica e a produção ou circulação de bens ou serviços. As sociedades que não contiverem esses elementos serão classificadas como simples.

Apesar de estarmos caminhando em terreno ainda não sedimentado, parece-nos, à primeira vista, que as sociedades simples já nascem com crise de identidade pois, à exceção das cooperativas, expressamente classificadas como simples pelo NCC, ainda não se sabe com exatidão quais sociedades deverão se enquadrar neste modelo.
Na prática, todas as sociedades empresariais (industriais, comerciais ou prestadoras de serviço) passarão a ter seus atos constitutivos registrados na Junta Comercial e estarão sujeitas à Lei de Falências.

Outra característica do novo regime é a necessidade de comprovação de que um ou mais sócios estão pondo em risco a continuidade da empresa, em virtude de atos de inegável gravidade, para que a maioria possa decidir por sua exclusão da sociedade.

O NCC prevê, ainda, a impossibilidade de cônjuges casados no regi-me da comunhão universal de bens ou no da separação obrigatória serem sócios numa mesma sociedade.

No que tange especificamente às sociedades Ltda's, o NCC prevê um tratamento que muito as aproxima das Sociedades Anônimas já que burocratiza seu funcionamento.

As deliberações dos sócios, por exemplo, deverão ser tomadas em reunião ou assembléia previamente convocada, exceto se todos os sócios se declararem, por escrito, cientes do evento e decidirem, também por escrito, sobre a matéria objeto de deliberação.

A ata da reunião que deliberar sobre a redução do capital deverá ser publicada em jornal de grande circulação e somente produzirá efeitos se, no prazo de 90 dias, não houver oposição de credores.

Por outro lado, qualquer modificação no contrato social dará ao sócio dissidente o direito de retirar-se da sociedade, obrigando-a ao pagamento de seus haveres.

Com a entrada em vigor do NCC haverá também mudança no controle das Ltda's, já que toda e qualquer modificação do contrato social somente poderá ser realizada se aprovada pelos sócios que representem, no mínimo 2/3 do capital social.

O NCC permite ainda a penhora de quotas - e a sua execução mediante liquidação parcial da sociedade - bem como a extensão aos bens pessoais dos sócios e administradores das responsabilidades da pessoa jurídica assumidas mediante desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial.

Saliente-se que muitas normas aplicáveis às Ltda's prevêem a possibilidade de o contrato social dispor de forma diversa à da Lei. É certo, porém, em razão disso, que no silêncio do contrato social aplicam-se as normas previstas no NCC.

É para evitar essas situações, bem como surpresas face às novas regras, que repiso: os contratos sociais das Ltda's devem ser rediscutidos e não meramente adaptados.



 
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