MP do sigilo fiscal preocupa Classe Contábil
Criada sob a necessidade momentânea de amenizar os efeitos das
denúncias de quebra do sigilo fiscal na Receita Federal, a Medida
Provisória nº 507, editada em 5 de outubro de 2010 e já sancionada
pelo presidente da República, está causando alvoroço entre os
contadores e advogados. Em vigor desde o dia seguinte a sua
publicação, a medida foi regulamentada pela portaria RFB 1860.
A principal polêmica da norma é o Artigo 5º (leia abaixo) que
obriga esses profissionais a fazerem procuração por instrumento
público para atuar nos processos de seus clientes. Com a
preocupação de preservar a idoneidade da instituição e dar mais
segurança ao trabalho do seu servidor, o governo aumentou a
burocracia e, com isso, atrapalhou a vida do contribuinte.
Os contadores reclamam do aumento da dificuldade nos procedimentos
na Receita Federal. De acordo com Marcone Hahan de Souza,
vice-presidente do Sindicato dos Contabilistas de Porto Alegre, a
categoria terá que se posicionar firmemente contra a exigência.
“Se alguém errou, que seja punido. Os contabilistas não podem ser
penalizados por um erro cometido por outros”, afirma. Segundo
Souza, o sindicato irá enviar ofícios convocando todas as
entidades de nível estadual para mobilização contra a MP.
Adaptar-se às novas regras não está entre as propostas do
sindicato. Entre as soluções apontadas pelo vice-presidente estão
a tentativa de diálogo com o governo para conscientização e
sensibilização do presidente Lula ao tema, e, em última instância,
o apelo à Justiça Federal. A medida desagradou também aos
advogados, que já estão articulados para entrar com uma ação
judicial. Mobilizados através da Ordem dos Advogados do Brasil
(OAB), eles contestam o fato de a norma tornar obrigatória a
apresentação de uma procuração por instrumento público para que
advogados representem seus clientes nas questões envolvendo a
Receita Federal. Segundo a entidade, a medida impede o protocolo
de defesas administrativas e recursos, além da vista de processos,
a obtenção de certidões fiscais, o substabelecimento a advogados
do próprio escritório e de outras localidades na Receita Federal.
De acordo com Cláudio Lamacchia, presidente da OAB/RS, a decisão
tomada nacionalmente com apoio das entidades regionais age em
defesa das prerrogativas da categoria. “Através de uma decisão
simplista, o executivo transfere para os advogados o ônus de
corrigir eventuais quebras de sigilo”, afirma. Além
disso, Lamachia entende que a medida contraria a Lei 8.906, que
rege o estatuto da advocacia e faculta ao advogado a utilização de
procuração e trabalho processual. No momento, a entidade incita os
advogados gaúchos a manifestarem via e-mail o descontentamento aos
políticos, e aguarda os desdobramentos do caso, que devem ocorrer
após as eleições. Texto da Medida Provisória 507 –
Art.5º Somente por instrumento público específico, o contribuinte
poderá conferir poderes a terceiros para, em seu nome, praticar
atos perante órgão da administração pública que impliquem
fornecimento de dado protegido pelo sigilo fiscal, vedado o
substabelecimento por instrumento particular. Morosidade do
serviço público afeta clientela Para muitos profissionais da
Contabilidade, a medida que deveria ser uma solução criou um
grande problema. É o caso de Luciano Biehl, da Aprove, que está
indignado com a necessidade de procuração pública. “É inconcebível
que uma situação de ordem política localizada em outro estado
penalize todos os usuários, criando uma imensa burocracia”,
afirma. Para ele, a medida atrapalha o trabalho do dia a dia do
contabilista. Ele destaca ainda que a medida do governo não
impedirá a ação dos estelionatários, que continuarão burlando a
lei mesmo deste novo jeito que ela foi reformulada. Um
dos principais pontos negativos da MP 507, segundo ele, é que os
clientes têm uma série de demandas e não têm tempo para ir até
cartórios ou até a Receita fazer a procuração. “Estão querendo
criar um embaraço maior para que se evitem fraudes, e estão
praticamente inviabilizando os serviços”, protesta.
Ele relembra que, no passado, quando se recebia uma procuração, a
nominata dava o poder a quatro ou cinco profissionais de um mesmo
escritório executarem ações, fato que fica impossibilitado perante
a nova lei. As consequências estão respingando nos clientes. Biehl
conta que já perdeu inúmeros agendamentos na Receita em função da
falta de procuração. “Isso vai empurrando a resolução de problemas
para 20 a 30 dias”, afirma. Biehl diz que está ocorrendo a
diminuição de atendimentos dado o aumento da burocracia.
O técnico contábil Darlan Eferson Eduardi, da Eduardi
Contabilidade, também registrou reclamações em relação à
morosidade da recepção da Receita. Eduardi reclamou da demora para
regularização do CNPJ da empresa de clientes. “A demora é
exorbitante. Antes, ocorria em dois a cinco dias. Agora, está
demorando no mínimo um mês”, afirma. Segundo ele, a principal
demora está nas alterações cadastrais, e o fato pode estar
associado ao déficit de funcionários. Segundo Eduardi,
os clientes estão sendo prejudicados, pois algumas empresas estão
com cadastros desativados e o contador, perante o cliente, parece
que está desinteressado, quando na verdade, trata-se de um
problema burocrático da Receita. Ao ser procurada para esclarecer
a situação, a Receita informou que está providenciando os
encaminhamentos necessários para o caso. Certificação digital pode
ser solução O atendimento por certificação digital deveria ser um
estímulo para quem está vendo a medida como problema. Ao adotar a
certificação digital, a autenticação poderá ser feita na própria
Receita. Quem informa é o superintendente da Receita Federal,
Paulo Paz. Ele explica que a medida traz duas mudanças
fundamentais: a obrigatoriedade de procuração pública e a criação
de sanções específicas disciplinares. “Não é que antes não fosse
punido, mas o regramento era genérico. A pena aplicada já era
demissão ou suspensão. Mas isso era por interpretação. Agora veio
com a função específica da irregularidade”, acrescenta.
Aqueles processos que já estavam em curso, com procuração
outorgada em particular quando a medida foi editada, seguem
valendo. Mas as novas procurações irão depender de procuração
outorgada por instrumento público. No futuro, explica ele, a
Receita será informada eletronicamente pelo tabelião de notas. Paz
reconhece que a MP 507 vai dar mais trabalho para os
contribuintes, mas complementa dizendo que a medida trará mais
segurança, embora o escândalo divulgado na mídia tenha sido um
caso isolado e não reflita o comportamento dos funcionários. “Vai
trazer um pouco mais de controle”, afirma. Para os
usuários que reclamam da falta de agilidade dos serviços, ele
admite que no início da aplicação da medida pode ter havido um
pouco de demora, pois quando saiu a MP, parecia que se precisava
de procuração para tudo. Esses problemas estão sendo rapidamente
sanados. Ameaça de demissão assusta analistas Segundo
Melo, governo devia rever a medida Não é apenas para a rotina de
contadores e advogados que a medida traz impactos. Os próprios
atendentes da Receita Federal - os analistas tributários - temem
as consequências que a medida pode trazer. Com o aumento do rigor
da MP, o cumprimento da legislação deve ser ainda mais
rigorosamente respeitado, caso contrário, há ameaça de demissão.
“Além de termos uma baixa no quadro de funcionários, agora
precisamos ter mais comprovação para cada acesso. O cuidado é
triplicado”, afirma o representante do Sindireceita em Rio Grande
e presidente do Conselho Estadual do Sindireceita, Hugo Leonardo
Braga. Algumas sugestões dos analistas tributários
foram emitidas para a Receita para facilitar a vida dos
contadores, mas ainda estão sob análise. Como é uma medida recente
e o quadro funcional tem procurações antigas, há muitas dúvidas.
Atualmente, os servidores recebem treinamento para adaptação à
nova legislação. “Estamos avaliando internamente, trabalhando para
deixar segura a situação do atendente, e ágil a situação do
público”, explica. “O governo agiu de maneira
equivocada em sua decisão, penalizando a grande maioria dos
contribuintes com uma ação para atacar um problema bem pontual.”
Essa é a posição defendida pelo presidente da Junta Comercial do
Rio Grande do Sul – Jucergs, Jorge Melo. Para ele, a Receita
deveria achar outra medida para brecar o acesso aos dados fiscais
sem aumentar a burocracia. Mesmo tendo um convênio com a Receita
para a realização de serviços empresariais, a Jucergs não sofreu
impacto da medida. “Desde que formalizados, os dados da Junta
podem ser acessados por qualquer pessoa, pois são dados
empresariais”, disse. O convênio entre os órgãos públicos segue
sem alterações.
Fonte: Contabilidade na TV